16/11/2016
A incrível história do amputado por choque que construiu braço com sucata
Em 2012, uma descarga elétrica de 18 mil volts arremessou José
Arivelton Ribeiro longe e chegou a derrubar a luz da área. Poderia ter
sido o fim para o cearense de 48 anos, que nasceu surdo e não aprendeu a
falar, mas ele transformou o desastre em uma bela história de
dedicação, que ainda pode beneficiar muitos amputados.
A vida de
José Arivelton Ribeiro nunca mais foi a mesma depois de 5 de setembro de
2012. Naquele dia, a energia da lojinha de eletrônicos da família, em
Fortaleza, foi cortada por falta de pagamento.
Como ninguém sabia
quando a luz iria voltar, Arivelton decidiu retirar a antena de TV da
loja para usá-la em casa. Pendurou-se na janela, no segundo andar, e
cometeu um erro quase fatal.
Por descuido, a antena tocou um fio
de alta tensão. A descarga de 18 mil volts arremessou Arivelton para
dentro da sala, e chegou a derrubar a iluminação dos postes da região.
O choque feriu o pescoço e a língua de Arivelton, e também comprometeu o
braço direito, que precisou ser amputado na altura do antebraço.
Seria mais um obstáculo na vida desse cearense de 48 anos, que nasceu
surdo e não aprendeu a falar. Mas rendeu uma bela história de dedicação.
Ari, como é conhecido, passa boa parte do dia enfurnado numa oficina de
quintal. Em meio a peças recolhidas em depósitos e na cozinha da mãe,
colocou na cabeça: irá construir a prótese mais barata existente, para
devolver movimentos a si e a qualquer amputado como ele.
Em pouco
tempo, ele produziu duas próteses do braço direito, uma mecânica e
outra elétrica, e já trabalha na terceira, que deseja ser
computadorizada. "Meu sonho é ajudar as pessoas", diz Ari à BBC Brasil,
sempre com ajuda da mãe na tradução.
O inventor autodidata, que
se comunica por meio de sinais com a mão remanescente, construiu as
próteses com peças descartáveis e partes de utensílios domésticos.
Sua primeira criação tem o antebraço em cano de PVC e tampa de panela; o
punho é um bico de secador de cabelo; os dedos são canos de alumínio,
acionados por elásticos de prender dinheiro; e a palma da mão exibe uma
borracha, para garantir aderência ao segurar objetos.
Bastou um
mês de trabalho, ainda no ano do acidente. Ao todo, Ari investiu R$ 400,
até 20 vezes menos do que uma prótese similar no mercado.
A
inspiração veio em vídeos na internet. O braço, porém, não é fixo, como a
maioria das próteses mecânicas. O punho é flexível e ele aciona os
dedos com movimentos no ombro esquerdo. Era a independência que o
inventor buscava.
Cotidiano
Com o mesmo braço que sempre
usou, Ari agora corta pão, pega copos e até dirige seu carro. E não se
trata de um veículo automático, mas um Fusca com câmbio daqueles que
pedem força para passar a marcha - com a mão direita, diga-se de
passagem.
"Meu filho é muito independente. Se a gente resolve se
meter a ajudar, toma bronca. As cuecas, por exemplo, ele aprendeu a
lavar com uma mão só", relata Maria do Socorro Ribeiro, aposentada de 66
anos.
A prótese, claro, não pode ser molhada, então foi preciso
improvisar outros jeitinhos no dia a dia. "No banho, lavo a axila
esquerda com o polegar da mão esquerda", conta Ari.
Mas o
inventor não se dá por satisfeito. "No mesmo dia em que terminei a
primeira prótese, já queria fazer uma mais moderna", diz.
Na
escala evolutiva das próteses de braços, o degrau seguinte de uma
mecânica é a elétrica. Nela, o movimento dos dedos é acionado por uma
bateria, com comandos feitos com a outra mão ou por meio de eletrodos
que captam os impulsos dos nervos na região da amputação.
O
inventor leu sobre isso em tutoriais na internet e decidiu fazer sua
prótese elétrica. Em oito meses, o dispositivo estava pronto. Bem mais
moderno que o primeiro.
Novo invento
Ari construiu um
braço que, com acionamento mecânico a partir do ombro, movimenta os
dedos por corrente elétrica. A energia é enviada a partir de uma bateria
de nobreak, através de um motorzinho de janela de carro.
O
material da segunda criação é ainda mais rudimentar do que o da
primeira. No antebraço há um copo de coquetel, tubo de extintor de
incêndio e pedaços de panelas. Os dedos são correntes de bicicleta,
ligados à mão por meio de colheres.
"Passei a chamar meu irmão de
'Exterminador do Futuro', porque a prótese parece a de um ciborgue",
brinca José Rusivelton Ribeiro, o Russo, de 46 anos, dono de academia de
ginástica e braço direito - literalmente - de Ari.
O irmão o
ensinou a usar serra e solda para moldar peças. Isso possibilitou uma
flexibilidade ainda maior no punho e nos dedos da prótese. O inventor,
contudo, não gostou do resultado final: os materiais não eram ideais e o
braço ficou com 4 kg, o dobro de um modelo com funções similares.
Agora, Ari está trabalhando em uma prótese semelhante à segunda, porém
mais leve. Tanto a segunda quanto a terceira deverão custar menos de R$ 2
mil, até 15 vezes mais baratas do que uma convencional nesse patamar.
Para produzir suas invenções, Ari investe parte de sua aposentadoria
por invalidez (R$ 880) e dos bicos que faz consertando TVs e
computadores em casa. "Acho linda a força de vontade dele", afirma a
mãe.
A lojinha de eletrônicos, antigo sustento da família, foi
vendida no dia do acidente. O trauma foi grande para todos, e emociona
os parentes até hoje.
Uma quase tragédia
O pai de Ari,
José Auri Ribeiro, comandou durante mais de três décadas a Eletrônica O
Louro, a 100 metros de casa. O mais velho dos cinco filhos começou a
trabalhar aos sete anos, e logo herdou a habilidade no conserto de
televisores. Até que o pupilo superou o mestre. "Ele ficou muito melhor
do que eu", afirma Auri, eletrônico de 72 anos.
Aquele final da
tarde de setembro de 2012, data que a família não esquece, sumiu da
memória de Ari. "Eu apaguei. Não me lembro de nada."
Sorte que
ele estava acompanhado da mãe, técnica de enfermagem. "Fiz massagem
cardíaca e respiração, então o coração voltou a bater", relembra
Socorro.
Ari foi socorrido de carro a uma UPA (Unidade de Pronto
Atendimento), onde esperou por cinco horas. A alternativa, conta a mãe,
foi atendê-lo numa ambulância, e depois transferi-lo a um hospital no
centro da cidade, a 10 km de distância.
"Com poucos dias, a mão
começou a necrosar, então meu irmão chamou os médicos e pediu a
amputação no antebraço, onde ficou um machucado em forma de anel, para
não correr o risco de perder o braço inteiro", relata o irmão
Rusivelton.
Quinze dias depois de quase perder a vida, Ari
recebia alta. "Quando o vi pela primeira vez, segurei o choro para não
deixá-lo triste. Só que ele estava tão bem - parecia que tinha arrancado
um dente, e não um braço - que aquilo me deu força", diz o irmão.
Ímpeto criativo
Ari mora com a mãe e a filha Sara, numa casa simples no bairro boêmio
da Varjota. Conheceu a mulher, Zenaide, também surda, na escola para
pessoas com deficiência auditiva. Mas ela partiu cedo, aos 34 anos, em
1998, vítima de câncer de mama.
O cearense nasceu com perda total
da audição, limitação constatada quando ainda era bebê. Ao longo da
infância e da juventude, aulas de Libras (Língua Brasileira de Sinais),
no Instituto Cearense de Educação de Surdos, minimizaram dificuldades de
comunicação com os pais e os irmãos.
Porém, a condição
financeira prejudicou o desenvolvimento da fala, o que talvez fosse
possível através de fonoaudiologia. "Como nunca ouviu, ele não consegue
fazer nenhum som", explica a filha, Sara Ribeiro, universitária de 24
anos.
Os pais de Ari se separaram pouco antes do acidente - hoje
Auri mora em Fortim, a 135 km de Fortaleza. Socorro se divide com a
neta, e também com o filho Rusivelton, no suporte ao filho mais velho.
Essa atenção é importante, sobretudo para "controlar" o ímpeto criativo
de Ari.
"Dia desses, ele viu em um vídeo um cientista tentando
fazer um motor de carro funcionar com água. Ele quis fazer o mesmo, só
que deu uma explosão danada em casa. Minha mãe me ligou desesperada,
para convencê-lo a parar com essas coisas", diz o irmão.
Ari
volta e meia se acidenta - já cortou a mão esquerda com seus
equipamentos. "Quando bota uma coisa na cabeça, meu pai às vezes fica
obcecado. Então a gente tem de estar sempre de olho, para colocar um
freio", confidencia Sara.
Sua história de vida sensibilizou o
dono de uma empresa de próteses de Sorocaba (SP). Dele, Ari ganhou duas
próteses elétricas, de R$ 15 mil e R$ 30 mil, além de R$ 10 mil para
investir em seu trabalho.
Com os presentes, Ari conseguiu renovar
a carteira de motorista, já que a legislação de trânsito não permite a
um amputado dirigir com prótese sem avaliação de segurança. Agora, não
há mais o risco de ser parado em alguma blitz.
Hoje ele se divide
entre uma das próteses que recebeu e a primeira que produziu,
dependendo da necessidade. Isso porque uma das próteses que recebeu,
apesar de mais moderna, não tem mobilidade no punho.
Quando uma
das peças doadas deu problema, o inventor não teve dificuldade para
abri-la e consertá-la. Em casa, Ari é considerado o "gênio" da família -
avaliação compartilhada até por especialistas.
Futuro
A
reportagem da BBC Brasil apresentou Ari aos donos de uma empresa de
próteses de Fortaleza. Os irmãos Roberto e Carlos Henrique Enéas ficaram
impressionados ao conhecer os inventos.
"Esperava ver algo muito
mais simples. É incrível que algo assim seja feito numa oficina", diz
Roberto, fisioterapeuta e protético, de 34 anos.
Não existe um
curso superior no Brasil que ensine a produzir próteses de membros
superiores ou inferiores. Há cursos técnicos, que capacitam
profissionais de saúde para atuar no ramo.
Segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem cerca de 500 mil
amputados no país. Apesar disso, reforça Roberto, também não há uma
produção nacional de próteses, mas somente pesquisas isoladas em centros
acadêmicos.
Por isso, as próteses usadas no Brasil são todas
importadas, de companhias como a alemã Ottobock, e adaptadas por
empresas sob a necessidade do paciente. Dessa forma, Roberto assegura: o
que Ari cria num quartinho em Fortaleza está à frente de tudo que é
feito no país.
"Esse cara é um gênio. Guardadas as devidas
proporções, é um Miguel Nicolelis sem aparato tecnológico à disposição",
afirma Roberto, referindo-se ao cientista paulista que é referência
mundial em neuroreabilitação.
Para o fisioterapeuta, duas coisas
sinalizam o avanço das invenções do cearense: a flexibilidade do punho e
um sensor instalado na ponta do dedo médio da segunda prótese, que
evita que o aperto de mão passe do ponto.
"Só recentemente as próteses passaram a ter esses dois recursos, e
somente um único modelo no mundo, que custa R$ 200 mil", indica Carlos
Henrique, administrador de 38 anos. "Ele aplicou ideias complexas a
componentes simples."
FONTE: BBC Brasil - 15/11/2016
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